QUESTÕES DE APOIO – A Festa de Babette
10 de fevereiro de 2023*Em uma frase, o que o livro conta?*
– O conto narra, a partir de um ponto de vista neutro, a conversa entre cinco cavalheiros já maduros, na qual um deles, de nome Jacobina, narra um episódio do passado, envolvendo um espelho, para fundamentar a sua tese de que há duas almas – uma interna, outra externa.
*Perguntas pertinentes:*
– Como Jacobina ficou rico? (Era pobre. Vinte anos depois, era capitalista e transitava na alta roda.)
– Como a sua alma exterior de alferes o ajudou a ficar rico? (Seus sonhos são os sonhos de um arrivista.)
– Qual a sua alma exterior no momento da conversa entre cavalheiros? (Sua alma exterior deve explicar o motivo de seu comportamento arredio e avesso a discussões.)
*Impressões:*
– O personagem central recebe o nome de Jacobina, uma provável referência às opiniões extremadas do jacobinismo. Ele adota uma postura radical ao elaborar um esboço de teoria da alma humana, a qual serve ao autor para realçar como certos elementos externos a uma pessoa adquirem para ele importância crucial, tornando-se responsáveis por metade de sua força vital. Tais elementos, porém, podem tornar a pessoa dependente, com efeitos graves caso desapareçam sem antes serem devidamente substituídos por outra coisa.
– O conto revela que Jacobina era pobre e, num espaço de cerca de vinte anos, fica rico. Os sonhos compensatórios que lhe ocorrem quando a alma exterior desaparece revelam-no um arrivista, sugerindo a interpretação de que a sua alma de alferes levou-o ao enriquecimento.
– De algum modo, porém, Jacobina tomou outro rumo em sua vida, porquanto se tornou uma pessoa arredia e pouco disposta às exigências da vida social, cáustico e pouco preocupado em agradar os outros. Se tivesse agido dessa forma quando jovem, dificilmente teria subido tanto na vida. Ademais, parece improvável que relatasse o caso do espelho caso ainda tivesse uma alma exterior relacionada à sua carreira.
*O ESPELHO – GUIMARÃES ROSA (1962)*
*Em uma frase, o que o livro conta?*
– O conto narra a história de um homem já maduro que busca metodicamente a si mesmo em sua imagem no espelho, acabando por tornar-se incapaz de enxergar o seu reflexo – capacidade recuperada algum tempo depois em circunstâncias que o fazem extrair conclusões sobre o sentido da vida humana.
*Impressões:*
– Trata-se de um conto filosófico. O autor dirige-se a um interlocutor, suposto homem da ciência, para relatar sua experiência singular com o espelho, a qual fundamenta as conclusões filosóficas apresentadas no final do conto. A vida – conclui – há de ser uma “experiência extrema e séria”, que exige o despojamento daquilo que obstrui o crescimento da alma. Mas não apenas isso: a vida exige o amadurecimento (o “salto mortale”) que vem de aprender a conformidade e alegria – ou seja, o amor. Por fim, a vida não é um “agradável acaso”, um “vale de bobagens”. Para uma vida mal vivida, é pertinente a pergunta: “você chegou a existir?”
– O narrador apresenta uma espécie de “ascetismo do olhar-se”, uma disciplina da auto-observação – daí a referência à Ioga e aos exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola. Sua imagem certamente continuava a ser vista por outros, direta ou refletidamente, pois não há nenhuma referência a dificuldades advindas do olhar alheio. Todavia, seus olhos foram disciplinados para não se enxergar no espelho, por meio da sucessiva abstração de elementos contingentes. De algum modo, essa disciplina do olhar-se vai ao encontro da dinâmica espontânea da alma, pois o movimento não cessa quando é interrompido o esforço deliberado de abstração.
*Comparação dos dois contos:*
– Os contos são homônimos e ambos fundamentam a sua teoria da alma humana a partir da experiência com espelhos. O ponto de partida é a concepção de que o espelho, de algum modo, reflete o psiquismo da pessoa.
– Em ambos os contos, o protagonista é homem já maduro que narra uma experiência da juventude. Em Machado de Assis, ele descarta as opiniões alheias; em Guimarães Rosa, o narrador deseja a opinião do seu silencioso interlocutor.
– O que movimenta a narrativa, em Machado de Assis, é uma experiência passional, no sentido de que o protagonista sofre os efeitos impostos pela alma exterior – ou pela sua ausência. Já em Guimarães Rosa, a narrativa desenrola-se a partir da busca de si mesmo, por meio do disciplinamento da auto-observação no espelho.
– Machado de Assis deseja realçar o apego a elementos exteriores (cargo, carreira, bajulação…). Guimarães Rosa começa destacando o desapego (despojamento) dos elementos contingentes que compõem a identidade visual da pessoa; em seguida, destaca o amadurecimento advindo do tempo e da capacidade de amar.
– Para Machado de Assis, há duas almas: a força vital nutre-se do interno e do externo. Para Guimarães Rosa, a força vital (alma) é interna, mas ao voltar-se para fora no ato de amar ganha novo impulso, capaz de fazer brotar nossa identidade autêntica.
– Do ponto de vista da psicologia de Jung, o jovem Jacobina é vítima da identificação com a “persona”, enquanto o protagonista de Guimarães Rosa descreve o seu próprio “processo de individuação” (despojamento + tempo + amor = amadurecimento). Enquanto Jacobina termina a narrativa aparentemente sábio, mas fechado em si mesmo – uma figura de “senex” -, o protagonista de Guimarães Rosa reconcilia-se com sua história de vida e vê surgir, qual flor abissal, o seu autêntico eu na forma de um rosto de menino (“puer”).

